quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

RPG e ficção social deviam ser indissociáveis

Algo que me tem atraído nos últimos tempos, digamos nos últimos 4 ou 5 anos, é a ficção social. O termo surge pela caneta de Ursula LeGuin ao chamar ficção científica social às suas obras, porque vai beber muita da inspiração às ciências sociais, como antropologia, linguística, estudos culturais, sociologia, psicologia. No entanto, o termo é um pouco mais antigo que isso, e pode ser revisto em ombras como Fahrenneit 451, de Ray Bradbury, 1984, de George Orwell, Brave New World, de Aldous Huxley, e o pai deles todos, We, do russo Yevgany Zamyatin; embora nestes possa ser também encontrada uma crítica às sociedades onde os seus escritores estavam inseridos, é igualmente provável encontrar neles um estudo e uma especulação do comportamento humano.

Este tipo de ficção tem-me atraído porque cada vez menos me revejo no tipo de ficção que versa apenas o universo, ou a tecnologia, ou que acompanha unicamente o herói na sua demanda para salvar o país, o mundo, ou a galáxia muito, muito distante. Não me interpretem mal: gosto tanto de Star Wars e de Lord of the Rings como toda a gente: devo ter visto cada um deles perto de dez vezes, o que me coloca naquele patamar médio entre "não é uma pessoa normal" e "é completamente viciado". No entanto, em análise, este tipo de ficção é copiada vezes sem conta e torna-se a norma.

Agora prefiro muito mais a nova Galáctica, por exemplo, onde episódios inteiros são passados num tribunal de humanos a julgar humanos, em vez de no espaço a lutar contra Cylons, o "verdadeiro" inimigo. Divirto-me imenso a ver as Desperate Housewives, onde em cada episódio há uma complicação pessoal, um drama qualquer, sem se tornar um dramalhão, adoro ver a Rome com a política romana bem explorada..., mas não me divirto tanto a ver o House, onde cada episódio é um mistério que o personagem do mesmo nome tem que resolver, como um Sherlock Holmes da medicina, e com pouco contacto com o mundo humano sem ser a sua personalidade casmurra e arrogante.

No roleplay os meus gostos são idênticos, e dou por mim muitas vezes a iniciar conversas deste género, ou a insistir com os jogadores para que me mostrem os gostos e vontades dos seus personagens, ou a falar com o mestre de jogo para que oriente a campanha neste sentido.

Foi o que aconteceu durante uma campanha de Exalted, onde peguei numa regra e a tornei ponto de honra: por cada objectivo pessoal cumprido, o personagem ganhava 5xp; depois havia os jogadores que tinham uma lista de objectivos pessoais, que tanto davam cor e vida ao jogo (mesmo que fosse só para que o seu personagem fosse mais poderoso que os outros) e havia outros que estavam perdidos e não sabiam o que por na lista (talvez porque esse tipo de jogo não lhes interessasse tanto!), mas a maioria tinha uma saudável lista permanente de 4 ou 5 objectivos que perseguiam avidamente, dando-me material mais que suficiente para lhes atirar adversidade.

Este tipo de mecânica é brilhantemente usada num jogo que serve de base a um universo de jogo a ser desenvolvido nesta casa, o The Shadow of Yesterday, com a sua mecânica de Keys que coloca o foco total e completamente nas escolhas do jogador: é o que jogador que diz ao mestre de jogo onde e quando ganhar a sua experiência, o que interessa ao seu personagem, e aquilo que lhe fará ter as reacções que mudam e fazem crescer personalidades. Uma Key tem sempre duas ou três condições que, quando verificadas, dão xp ao personagem, e uma outra condição, a de Buyoff, que muda por completo o personagem, mas que lhe dá 10xp, o máximo que pode receber dessa Key.

Este tipo de sistemas reflectem a ficção social ao garantirem que o foco está no personagem e nas suas escolhas, e não no bónus da sua espada. Notem que menciono especificamente sistema, e não grupos de jogo: como referi acima, o Exalted é practicamente sobre quantos Charms a personagem tem e qual o tamanho da sua Daiklaive, mas nós jogávamos mais o lado pessoal que o lado material, muito por imposição minha.

Também me parece que este é o modo jogado por omissão pela maioria dos jogadores, embora este seja um facto díficil de confirmar. Contudo, os actual plays que leio em vários sites de referência, tanto portugueses como estrangeiros, as conversas que tenho com vários amigos em pessoa ou online, parecem apontar nesse sentido. Se assim for, porque é que estes sistemas não são a norma em vez da excepção mal-amada? Porque é que, em cada sistema de jogo publicado, novo ou antigo, o foco é nas intermináveis listas de feitiços, armas e perícias, apesar de o modo de jogo ser o oposto?

Eu julgo que é pelas raízes tácticas do roleplay, que levaram a que a grande maioria dos jogos que seguiram ao clássico Chainmail tenham optado por um modelo muito mais mecânico e menos orgânico, menos social e menos pessoal. Daí as listas de poderes, de armas, de perícias, comuns em tantos outros jogos que facilmente se apanham em qualquer loja da especialidade, e que muitas vezes nem sequer são sobre uma qualquer sociedade pseudo-medieval. Vide os jogos da White Wolf, anunciados como terror gótico, mas que têm capítulos inteiros dedicados aos poderes. É mais fácil manter um estilo de jogo já enraízado, com sessões a fazer lembrar missões de Operações Especiais, do que mudar (ou desenvolver!) um estilo de jogo mais virado para o drama pessoal; no fim de contas, dramas pessoais já nós temos na nossa vida real, o que conta para outra razão para os jogos desenvolvidos sejam assim: é preferível jogar alguém com poder para mudar o mundo do que um zé-ninguém a braços com um cancro e abandonado pela mulher. Eu ainda prefiro o Homem-Aranha ao Super-Homem.

Gostava sinceramente que os próximos jogos em desenvolvimento tivessem mais o tipo de mecânicas que falo atrás, ainda que não sejam sobre telenovelas dramalhonas, mas que, sendo sobre salvar o mundo, houvesse uma razão mais humana para o fazer.

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domingo, 4 de janeiro de 2009

Manual 3D&T Alpha: Crítica ou Resenha - Parte I

Desde que comecei as minhas andanças na Internet pelos vários sites e blogues brasileiros acerca de Roleplaying Games que me tenho deparado com algumas surpresas e chegado a algumas conclusões. Além da constatação de que o Brasil tem um mundo editorial de RPG gigante (em comparação com Portugal!) e uma comunidade vibrante e interessada, dois factos que de certeza advêm da dimensão claramente superior da sua população de roleplayers (rpgistas, ou seja de Homo Ludus Personae!), dei igualmente conta da existência de jogos originais brasileiros, sendo um deles o Defensores de Tóquio (cuja abreviatura é D&T) da autoria de Marcelo Cassaro.

Além de ter tomado consciência da sua existência num site na net, depois de algumas referências cruzadas, consegui adquirir uma revista de RPG da Mythos Editora (que edita quase todo o tipo de revistas desde revistas sobre esoterismo, nutrição, comics do Conan e principalmente fumetti como as histórias aos quadradinhos italianas do Tex e do Dylan Dog). Esta revista, a RPGMaster, além de artigos e críticas (resenhas) sobre RPG era totalmente orientada para o D&T, contendo no próprio primeiro número todo o sistema de jogo.

Este facto despertou-me o interesse pelo D&T, que apesar de ser simples e criado com o propósito de introduzir novos jogadores, misturava num só RPG,o mundo dos manga e animé juvenil de acção (shonen) com os videojogos japoneses beat'em up da Capcom tipo Street Fighter II e similares. Contudo o facto de ser um sistema incluído numa revista (do qual estranhamente apenas encontrei o nº 1 à venda na altura conseguindo só há pouquíssimo tempo adquirir o nº2) onde devido ao espaço limitado disponível o seu potencial não foi passível de ser muito descrito ou transmitido, foi um obstáculo para um maior entusiasmo da minha parte e para conseguir aliciar a jogá-lo os roleplayers com quem infrequentemente jogo. Se não estou enganado, por esta altura a versão das regras contidas na RPGMaster era a da terceira edição do Defensores de Tóquio chamada 3D&T.

Alguns anos depois eis que encontro o anúncio da publicação do Manual 3D&T Alpha, uma nova edição que antes de ter sido editada em papel pela Editora Jambô (editora brasileira em franca expansão que publica em Língua Portuguesa o jogo de fantasia steampunk, Iron Kingdoms [Reinos de Ferro] da Privateer Press, o jogo de super-heróis Mutants & Masterminds [Mutantes & Malfeitores] da Green Ronin, e claro o universo original Tormenta, que já foi publicado no sistema d20 do Dungeons & Dragons e baseado em mangás brasileiros de fantasia bastante populares) foi lançada gratuitamente em versão PDF no site da Editora.

Como já o descrevi no AbreoJogo, este "tem ilustrações excelentes (ao estilo japonês) e faz-me lembrar à primeira vista uma versão leve de GURPS e D&D. É focado mesmo para emular o estilo de animação e BD japonês com mechas, raparigas psíquicas e monstros de estimação. O design é funcional, está em versão landscape (para os vossos portáteis e monitores do PC) e tem 146 páginas." Claro que esta descrição é bastante redutora e atrevo-me de seguida a fazer um conjunto de comentários soltos que na sua totalidade espero que se transformem numa espécie de crítica ou resenha.


O documento é dividido em várias partes (onze no total se contarmos com a introdução) e ao longo delas o manual mostra-nos a intenção e filosofia por detrás da sua criação e o seu historial até os dias de hoje (primeira parte), ensina-nos como criar um personagem e defini-lo através de características e traços que são o seu ponto de entrada no universo de jogo (da segunda parte até à antepenúltima) e por fim dialoga (na última parte, claro) directamente com o Mestre de Jogo dando-lhe sugestões e ferramentas para organizar as sessões de jogo e criar uma narrativa de acção animé/mangá à lá videogame bem ao jeito das suas fontes de inspiração iniciais.

O estilo de escrita é bastante acessível, com uma intenção clara de apelar a quem nunca jogou 3D&T (ou mesmo nunca jogou RPGs) ao fazer referências e comparações com outros meios de entretenimento como os videjogos. Para quem mora deste lado do atlântico a leitura também é fácil porque não predominam as expressões idiomáticas que por cá não usaríamos, sendo, claro, uma excepção a transcrição do diálogo "histórico" ocorrido entre o autor e o editor que levou à reedição do jogo. Mas aí o cunho pessoal da conversa trouxe alguma intimidade refrescante ao projecto apesar de ser uma pouco alienígena ao leitor desconhecedor quer de RPG quer do Defensores de Tóquio.

O layout (diagramação?) é bastante elegante e simples e usa as excelentes ilustrações estilo mangá a preto e branco para realçar os pontos de interesse que um RPG de animé/mangá (que são muitos e bastante variados) poderá ter perante o leitor. Dou os meus parabéns quer aos ilustradores quer ao designer pelo bom trabalho bem profissional!

A escolha do tipo de letra foi interessante fazendo lembrar um estilo futurista-retro meio-comic americano. O modo como as barras laterais são apenas o primeiro plano recortado mostrando a mega-ilustração de grupo que serve de fundo é funcional mas bastante inspirado e muito Web 2.0. Contudo a presença desse fundo, bastante escuro, de certeza que gasta muita tinta para quem queira apenas imprimir o documento e começar logo a jogar. Facto que será o mais provável aqui em Portugal já que o 3D&T Alpha dificilmente estará à venda por cá.

A primeira parte, a introdução, mistura não só o tal diálogo entre autor e o promotor editor que referi acima, que justifica de certo modo a razão da existência de uma nova edição, com uma breve apresentação do âmbito do jogo mas que por acaso está "escondida" na tal descrição da sua evolução ao longo dos tempos. Pois segundo esta, "em plena febre dos Cavaleiros do Zodíaco, o jogo era uma sátira aos heróis japoneses e seus golpes mirabolantes, ataques acompanhados de gritos, e estranhos códigos de honra." É aí que lemos também que posteriormente tanto o Dungeon & Dragons como os jogos beat'em ups da Capcom foram uma grande influência.

Um jogo de acção animé/manga juvenil tipo shonen e videojogos de "porrada" que fosse introdutório, ou seja simples, mas que também não se leve a sério o suficiente para querer tornar "realista" as suas regras é para mim algo fresco e interessante. É de acordo com esse foco que vou tentar fazer a minha apreciação. Espero conseguir... Adiante.

A lista de mudanças entre esta e a edição anterior presente no texto é um pouco contra-intuitiva para quem está a ler a introdução mas como vem no seguimento da tal descrição do historial do jogo é bem provável que seja pulada directamente para outra secção sempre necessária (mas nem sempre uma garantia de sucesso) para o leitor novato: "Que jogo é esse?" (ou seja a fiel e expectável secção sobre "O que é um RPG?"). É uma secção breve mas informativa e nada condescendente: ainda bem! :)

O glossário de termos japoneses ou geeks acerca dos animé/manga/videojogos é estranho pois na maioria não são termos constantes do manual de jogo mas por outro lado servem de curtas sugestões das possibilidades fantásticas e coloridas do universo de jogo. Melhor para mim, pois por agora fico feliz por ainda não saber o quer dizer "Shuwatch!".

Perto do glossário temos um bloco de texto que fala do universo fantástico "Tormenta" da Jambô Editora, um mundo de jogo de criação brasileira e originalmente uma mangá, que como sendo fonte das bastante ilustrações, conceitos e ideias constantes do Manual merece aqui referência. Inicialmente esta inclusão não me fez muita confusão pois o género fantasia medieval aparece em alguns animés/mangás/videojogos e o mais conhecido RPG é uma glorificação do género, o Dungeon & Dragons. Contudo à medida que fui lendo o documento fiquei com algumas dúvidas se a sua inclusão no design seria uma mais valia ou se não diluiu um pouco a emulação dos géneros japoneses que o jogo se propõe a suportar. Mas falarei disso mais em baixo.

Virada a página (salvo seja pois estou a analisar a versão PDF!) entramos no primeiro capítulo referente à criação de personagens. O método de criação de personagens segue o modelo "lista de compras" em que se gastam pontos de um limite decidido pelo Mestre de Jogo (a pessoa que organiza e coordena o jogo, cria e joga as personagens secundárias e figurantes, e constrói e apresenta as ameaças ou peripécias que os personagens principais irão enfrentar) consoante o nível de poder ou de habilidade que supostamente os heróis da série possuem. Este nível vai desde a "Pessoa Comum" que tem de 0 a 4 pontos para gastar nos traços da personagem e cuja escassez de escolhas representa o pouco protagonismo e anonimato que as personagens secundárias e figurantes que povoam o mundo possuem, passando pelo "Novato" que pode gastar 5 pontos e que representa um herói no início das suas aventuras, chegando por fim ao nível "Lendário" cujos 12 pontos ilustram o potencial esmagador de um herói que é um dos "melhores do mundo, talvez nem existam heróis mais poderosos (mas certamente há vilões)". O nível Lendário é o nível máximo para personagens recém-criadas.

São estes pontos que o jogador irá gastar para "comprar" valores de: Características, atributos quantitativos que definem a habilidade, resistência e campo de acção e intervenção do personagem sobre o universo de jogo (que aquando da fase da criação de personagem não podem ser de valor superior a 5); Vantagens, capacidades específicas que ora expandem as regras ora as alteram para benefício do herói; Desvantagens, o contrário das Vantagens cuja escolha recompensam o personagem com pontos extras que pode gastar noutros traços, havendo um limite destas consoante o nível de poder escolhido); Pontos de Vida e de Magia, derivados de uma das características, em que os primeiros quantificam a capacidade de resistência do personagem face às ameaças mortais à sua integridade física e a segunda quantifica o a capacidade de resistência quanto ao esforço de libertação de energia mágica ou sobrenatural; Perícias, apoiadas numa das características, são áreas de conhecimento, arte e técnica que permitem ao personagem melhor percepcionar e/ou afectar o universo de jogo que o rodeia; e Magia, um tipo de Vantagem específica que permite aos personagens tornarem-se magos, feiticeiros, xamãs e tal e lançarem feitiços ou outras manifestações mágicas.

Ah, e não posso deixar de referir que concordo com o autor em que sim!, num jogo de RPG de animé/mangá/videogames de acção o dinheiro não é um problema do dia-a-dia a não ser que faça parte do conceito da personagem e seja um veículo da estória a ser contada!

Da maneira como descrevi, parece uma lista muita extensa e complicada de traços a adquirir para cada personagem mas a sua gestão é bastante intuitiva e rápida. O exemplo de personagem, a feiticeira Tasha, descendente nobre de demónios, é bastante ilustrativo do processo de criação e das escolhas possíveis durante este processo.

Não deixa de ser interessante o facto de se ter usado o nível de poder mais alto, Lendário, para ilustrar o processo de criação de personagens perante os leitores: aparentemente um baixo número de pontos não providencia uma grande margem de manobra ao jogador enquanto criador do conceito e quantificador dos atributos do personagem.

É uma característica muito própria do sistema de criação "lista de compras, este "jogo" que o jogador tem que fazer com o próprio sistema, somando ou subtraindo pontos, enquanto tenta aproximar a ideia original que tinha para o seu herói à concretização efectiva deste no universo de jogo que segue "mecânicas de realidade" visíveis para todos à mesa de jogo menos para o personagem. Nestes sistemas ou a escolha é bastante diversificada, ponderada, testada e apropriada ao género a emular ou então parece sempre que falta algo ao jogo e acusa-se essa falta incessantemente.

Inicialmente, na lista de Vantagens e Desvantagens nenhuma omissão me pareceu notória a não ser quando me lembrei de "raparigas psíquicas" e do Akira e voilá!, realmente logo encontrei "Telepatia" na página 38 (ou "1d+38", mais um exemplo de um dos detalhes deliciosos desta edição do 3D&T) mas nada acerca de telecinésia ou outros poderes psíquicos bem comuns neste género de estórias. Será que estes poderes constam da secção relativa a Magia? Mas mesmo que lá esteja este tipo de poderes estes não são magia, certo?… E não, por acaso não estão.

Este é o grande problema deste tipo de sistema de criação: os autores nunca conseguem incluir todas as possibilidades de traços (Vantagens ou Desvantagens por exemplo) a não ser que publiquem um tomo de mais de 500 páginas (o que iria de certeza providenciar uma leitura muito chata mesmo com índice e um layout claro e lógico; não sei se vos acontece o mesmo, mas um livro com mais de 200-300 páginas causa-me uma reacção psicológica de desinteresse e cansaço prévio se só conter listas e listas de habilidades e poderes!) e mesmo assim aposto que iria faltar qualquer talento ou pormenor pertencente a um nosso personagem favorito sobre o qual acharíamos estar no direito de reclamar.

Uma maneira de colmatar essa falta é incluir um sistema que ilustre as mecânicas por detrás do sistema e permita aos jogadores criar o traço da personagem que querem introduzir no jogo, aumentando o seu potencial de emulação deste género. Infelizmente o 3D&T não inclui tal "ferramenta" e suspeito que a maioria dos traços chegou ao seu estado actual através de muita experimentação e afinação, o que já por si é bom no âmbito do design de Roleplaying Games.

Chegamos então a uma secção chamada "Papéis de Combate", um pequeno guia para se criar personagens eficientes num contexto de conflito físico ou bélico com a premissa de que cada personagem num dado grupo tem uma função específica na táctica geral ou seja um papel como por exemplo o "Atacante" e o "Tanque".

Li algures noutros blogues brasileiros na Internet que esta secção era em tudo semelhante com o que a Wizards of the Coast fez com os "roles" das classes do novo Dungeon & Dragons na sua 4ª edição. Provavelmente os dois partilham o mesmo factor apelativo àqueles jogadores que neles reconhecem os papéis desempenhados pelos jogadores (e que por acaso é interessante que estes surgiram organicamente ao longo dos tempos e a nomenclatura é até original do ciberespaço pelo que sei) nos vários MMORPGs on-line de fantasia medieval como o World of Warcraft ou o Warhammer: Age of Reckoning.

Não me parece muito estranha a sua presença no texto, pois é uma inovação que tenta justificar a essência do próprio 3D&T como um jogo de RPG de "luta" de influência japonesa. Não sei se os mesmos "papéis de combate" também marcam presença nos jogos on-line japoneses ou orientais. Eu pessoalmente preferia uma abordagem diferente, um meio caminho entre estes papéis de combate (que contém sugestões de traços a ser "comprados" pelos jogadores na criação de personagem) e os arquétipos de personagem contidos no "Tormenta: Guia do Viajante" (com sugestões fortes relativas a personalidade, maneirismos e usos do personagem no âmbito da estória): algo que fosse buscar inspiração às convenções do género shonen e "porrada" dos videojogos japoneses (facilmente consultáveis em sites sobre tropes ou seja convenções) e apresentasse o "O Herói", "A Rapariga", "O Mentor", "O Rival", "O Grandalhão" e tudo o mais.

Aliás, à secção respectiva ao Mestre de Jogo, que já por si ilustra bastante o género com a referência aos bosses e grunts, à meta-narrativa da escalada de poder do heróis face ao vilão inicialmente demasiado poderoso e tudo o mais, devia-se também juntar os arcos de estória do "Torneio" e do "Resgate", típicos do género japonês de séries shonen.

E talvez seja melhor deixar as considerações narrativas de parte por agora para falar do sistema de regras em si e do que representam efectivamente os números por detrás da quantificação de cada traço ou característica.

Falando de Características existem cinco: Força, Habilidade, Resistência, Armadura e Poder de Fogo. Cada característica tem um número ou valor correspondente que inicialmente vai de 0 a 5. Uma característica de valor 0 não indica a ausência de capacidade ou potencial mas sim um valor comum apresentado pela maioria das pessoas que não apresentam nenhuma nível extraordinário de proficiência ou talento, sendo que o valor 1 é o máximo possível dos "incomuns mortais" e o primeiro "estágio de desenvolvimento" dos incríveis heróis, os nossos protagonistas de uma qualquer sessão de 3D&T claro, onde todos têm pelo menos uma das características acima de zero.

O interessante das características no 3D&T é a ressalva patente do texto que explica que o nível da característica não precisa de ser apoiada pela aparência do personagem quer pela realidade consensual do nosso mundo ou outra qualquer explicação ciêntífica. O que emula mesmo a maluquice comum deste universo com as suas armas impossivelmente gigantes e mestres femininas de kung-fu com o corpo e a mudanças de humor típicos de uma adolescente de 14 anos vestida com um uniforme escolar.

A maioria das características centra-se na ideia de que este é um jogo de conflito físico (ou seja de "porrada"!). Basta reparar nos seus nomes: a Força é claramente física!; Habilidade é bastante física pois a sua definição sugere-nos essencialmente destreza ou coordenação motora; Resistência é principalmente física! e está relacionada particularmente com fadiga e integridade física do indivíduo; Armadura apresenta-se com uma designação inicialmente confusa pois sugere-nos imediatamente um objecto que cobre o corpo do lutador para o proteger de ameaças físicas exteriores mas acho que no âmbito do 3D&T é claramente a barreira (ou seja "pode ser seu próprio couro ou carapaça, um escudo, campo de força, ou apenas habilidade de bloqueio") que está entre o espaço de existência pessoal do personagem e uma ameaça externa; o Poder de Fogo, além do nome induzir em erro pois este não envolve necessariamente armas incendiárias ou de pólvora, não é directamente física pois ao contrário de Força não representa, pelos exemplos demonstrados, proezas físicas de coordenação fina através do uso de armas de arremesso, de impulso ou de "fogo", o que está mais dentro do âmbito da Habilidade, mas apenas contribui para o dano infligido por ataques à distância.

Sempre que se está em dúvida quanto à capacidade de um personagem em realizar uma qualquer acção deve-se fazer um Teste de Característica. Chega-se a um consenso, através da orientação forte do Mestre de Jogo, de qual Característica está dependente o sucesso do desafio em questão e rola-se um d6 (um dado de seis lados ou faces); se o número visível na face superior do dado for menor ou igual ao valor da característica então esta acção teve sucesso. Se o valor mostrado for superior ao valor da característica ou se o dado mostrar um valor seis então a acção falhou.

A este valor inicial da característica podem ser adicionados modificadores numéricos consoante as condicionantes internas ou externas do sucesso da acção que escapam ao controle do protagonista e âmbito dos seus traços individuais. Estes são Bónus se garantirem mais probabilidade de sucesso e Penalidades se a reduzirem significativamente. Se a conjugação dos Bónus e Penalidades resultar num valor negativo a acção é impossível de ser realizada pelo herói a não ser que este use uma parte precisa da suas vivências e conhecimentos adquiridos durante as sessões de jogo(ou seja parte da sua estória heróica), os chamados Pontos de Experiência, e por meio de astúcia ou puro poder, tornar possível o impossível até então, acrescentando um Bónus de 3 (+3) ao Teste de Perícia. Mas acerca dos usos e filosofia dos Pontos de Experiência falarei mais abaixo.

É de notar também que uma Pessoa Comum, com valores normalmente entre 0 e 1, precisa de realizar Tarefas Normais ou Fáceis para poder ter alguma hipótese de sucesso num Teste de Característica. Existe realmente assim um grande abismo entre os nossos heróis e o resto das pessoas, o que é bom e apropriado!

Este uso dos dados num RPG, chamado em inglês de roll under, é bastante intuitivo e rápido, quando, claro, temos uma escala pequena de valores de características (neste caso entre 0 e 5, aquando da criação de personagens). Contudo o crescimento dos valores de personagem é aberto e vai além de 5, chegando o 3D&T a dar um exemplo de um valor de característica de 1000 ("PdF1000. Capaz de destruir uma estrela")!

Como então resolver o facto de que um personagem de valor de característica igual a 6 ter sempre sucesso? O criador deste sistema decidiu tornar um resultado de seis apresentado num dado um insucesso automático o que efectivamente retira uma certa parte da probabilidade de sucesso às características de valor seis.

Existe algo que não é muito claro no documento: como são os testes de características nos valores superiores a 5? É que a partir de um certo valor superior a 5, acho que de mais ou menos 10 para cima, mesmo com o máximo possível de modificadores negativos, um teste de característica dá sempre sucesso. É de presumir que a partir de um nível de valor igual a 10 os heróis são tão poderosos que seria ridículo descerem à esfera dos mortais e falharem um dos nossos desaires? Se o assim é, concordo perfeitamente!

Mas se essa é a razão da existência do valor de falhanço garantido do seis é um pouco estranho essa remota hipótese de o nosso personagem poder falhar uma acção independentemente de este já ser imune a todas doenças naturais ou mágicas (R10) ou de poder levantar uma baleia azul como uma das suas proezas física (F10), como demonstram os exemplos na página 126 relativos aos "Efeitos de Características Sobre-Heróicas". Curioso!

Falando em mais detalhe das características temos:

Força, que quantifica tanto a capacidade do personagem para desempenhar proezas físicas que envolvam esforços prolongados ou imediatos de levantamento, deslocamento e arremesso de pesos como também o dano acrescido nas lutas corpo-a-corpo envolvendo tanto mãos nuas como armas brancas.

Habilidade, que quantifica tanto o nível de coordenação motora do personagem como também a sua inteligência (pois vai influenciar um tipos específico de vantagem que é uma excepção em si própria, Perícia, e lhe tem dedicada um capítulo inteiro). Além desses dois âmbitos o valor de Habilidade também é somado ao dano causado tanto por ataques corpo-a-corpo como a longa distância. A Habilidade é também adicionada à capacidade de defesa de dano por parte do personagem.

É de notar que na maioria dos exemplos, mostrados no livro, a Habilidade é representada como a capacidade superior de destreza e rapidez e não tanto de inteligência. E mesmo que aceitemos a inteligência (sob a forma de Perícia e englobando tanto as noções de capacidade de raciocínio como também técnica e conhecimento) como fazendo parte constituinte da característica Habilidade isso indicaria que no universo de jogo do 3D&T um personagem com grande agilidade é igualmente capaz de criar obras de arte que requerem além da técnica de pintura muito conhecimento teórico e, arriscaria eu a dizer, muito talento. E quem diz pintura diz física quântica ou linguística!

Resistência, representa "a constituição, o vigor físico do personagem", o que influencia tanto a integridade física do personagem face a agressões mortais exteriores (quer violência quer doenças) como também a força mental exaurida quando o personagem usa poderes mágicos ou sobrenaturais. Estes poderes podem tanto ser golpes de artes marciais carregados de energia como também feitiços, maldições, poderes psíquicos, etc. Daí por cada valor de Resistência o personagem ter 5 Pontos de Vida e 5 Pontos de Magia que vão sendo gastos por cada ferimento sofrido ou por cada magia lançada.

Armadura é no fundo a tal barreira pessoal face às ameaças mortais do mundo que referi anteriormente. O valor de Armadura é essencialmente adicionado ao valor de protecção que torna os ataques dos inimigos menos capazes de causar dano. É curioso que não são dados exemplos de Testes de Característica relativos a Armadura. Assim de repente todos os que me lembro, como por exemplo o contacto directo de uma chama com o corpo de uma personagem, são considerados como um ataque e como tal é o valor de Armadura dentro do somatório que se usa para a protecção do nosso herói. Existirão outros exemplos?

Poder de Fogo é, por fim, a capacidade de infligir dano à distância, sem contacto pessoal, a um adversário. Este valor é somado à característica de Habilidade para se chegar ao tal valor potencial de dano infligido ao adversário este for a longo alcance. É interessante que o autor descarta claramente a necessidade de haver qualquer tipo de controlo de nú;mero de munições gastas durante um combate o que realmente não tem nada a ver com o género fantástico.

Hmmm… Depois de pensar um pouco acerca das Características e do uso de cada em conjugação com os restantes traços e regras específicas do 3D&T reparei que a Habilidade está presente em quase todos os lançamentos ou valores fixos do jogo: desde a Força de Ataque, Força de Defesa, Perícias, velocidade de deslocamento do personagem, exemplos de Testes de Característica, etc. Faz-se durante o texto até uma sugestão forte para que cada personagem tenha pelo menos um valor de dois nesta característica o que demonstra o quão é indispensável no que diz respeito ao jogo. Já que existe alguma preocupação por parte do autor face ao equilíbrio dos personagens, o que se manifesta no limite máximo de características de 5 aquando da criação de personagens e do crescimento exponencial do custo em pontos de experiência quando as se quer aumentar, porquê esta importância tão centralizadora desta característica no que diz respeito às mecânicas e filosofia de jogo?

Que a Habilidade seja muito importante num jogo de acção e "porrada" não me espanta nada e até concordo mas aí o "jogo" da compra dos pontos durante a criação parece-me
um pouco viciado, pois toda a gente vai necessariamente comprá-la em detrimento das outras. Parece que o valor de Habilidade é quase um modificador de nível como o que existe em Dungeon & Dragons. Talvez aumentar o preço de compra da Habilidade (2 pontos em vez de 1 ponto) seja a solução?

Quanto aos Pontos de Vida quando estes chegam a 0 o personagem principal fica normalmente apenas inconsciente mas isto se o Mestre de Jogo autorizar! Lá está, O 3D&T segue a tradicional filosofia de jogo centrada no Mestre de Jogo como autoridade criativa, dando ou retirando permissão mas por vezes esta filosofia faz surgir alguns problemas.

Neste caso eu concordo que sim, o herói deste género de ficção não deva morrer facilmente, a não ser que seja por sua própria escolha, cometendo um Sacrifício Heróico, que, como está explicado na página 74, lhe permite sacrificar a sua vida para fazer um ultimo ataque ao seu inimigo, de preferência o Vilão! E que isto aconteça especialmente no fim de uma longa sequência de estórias, protagonizadas pelos nosso heróis, a que se chama uma Campanha.

Mas por o outro lado o autor admite a hipótese de o Mestre de Jogo decidir aleatoriamente o estado de saúde através de um lançamento de um dado (chamado de Teste de Morte), o que vai contra esta anterior ideia. Será que esta inclusão tem o intuito de retirar arbitrariedade às escolhas do Mestre quanto ao destino dos personagens secundários e/ou figurantes que estão sem pontos de vida? Mas se assim é porquê tanta aleatoridade no Teste de Morte?

Quando um personagem fica com 0 pontos de vida o Mestre pode lançar um dado e de acordo com o resultado saído uma condição fica estabelecida: o valor 1 considera o personagem num estado muito fraco mas com fortes de possibilidades de sobrevivência, os valores de 2 a 3 e de 4 a 5 agravam niveladamente a sua condição e o valor 6 considera-o morto imediatamente. Porquê tanto acaso neste lançamento, dado 1/6 de hipótese de morrer a cada personagem que chega a 0 pontos de vida? Independentemente do alto valor de Resistência adiar esta situação de teste e permitir mais frequentemente o uso de poderes apenas usados Perto da Morte (uma condição a que se chega quando se está com um valor de PVs abaixo de R), porque não fazer um Teste de Característica relativo à Resistência com níveis de bónus e de dificuldade iguais às Tarefas exemplificadas na secção de Bónus e Penalidades consoante o tipo de dano ou ataque sofrido? Ou, no caso dos protagonistas, consoante a condição de saúde que o jogador quer a que o seu personagem chegue?

Só de referir que a quantidade reduzida de Pontos de Magia não afectam os Pontos de Vida e vice-versa e que a ausência de Pontos de Magia não afecta fisicamente o personagem. Eventualmente com descanso (ou cuidados médicos no caso dos PVs) os heróis recuperam Pontos de Vida e de Magia.

Os Pontos de Vida e de Magia são em quase tudo semelhantes às barras de energia de jogos beat’em up como o Street Fighter ou King of Fighters, criando os primeiros um sentido de urgência de necessidade de sobrevivência no personagem e os segundos restringindo o nível de poder mágico e aprofundado a táctica do seu uso por parte dos heróis.

Contudo nem toda as magias apresentadas na sua secção correspondente são de uso bélico ou têm como função directa reduzir a integridade física dos adversários. Aliás, existem mesmo algumas de natureza espiritual que não afectam a integridade mágica do adversário, reduzindo-lhe assim os Pontos de Magia. Um mini-sistema de combate mágico, usando os mesmos princípios do combate físico (Força de Ataque e Força de Defesa e tal) de maneira mais elementar era interessante e mais uniforme.

É curioso também o total isolamento da entidade mágica do personagem face à sua existência material no universo de jogo, o que por acaso não é a regra no género animé/mangá shonen onde em alguns casos invocar magias é cansativo fisicamente.

Passamos então às próximas duas partes relativas respectivamente a Vantagens e Desvantagens. Estas duas secções mostram exemplos bastante diversificados e bem construídos de traços demonstrados por personagens passíveis de povoar este universo fantástico. Muitos deles são referências a algumas séries Shonen, como por exemplo a vantagem Alquimista que de certeza foi incluída a pensar no nosso mais jovem Alquimista de Combate de sempre, o Edward da série Full Metal Alchemist. Outras são mais específicas do sistema de combate e contribuem para a sua complexidade táctica sendo de realçar a Vantagem Ataque Especial que honra a “sagrada instituição” do signature move bem próprio da ficção juvenil oriental (acompanhado sempre do nome da técnica ou do grito de guerra, claro!).

As Vantagens e Desvantagem também emulam em parte os papéis narrativos de alguns personagens secundários (o Mentor, o Aliado, o Inimigo, etc.) ou até o estatuto do personagem principal na sociedade (Má Fama, Riqueza, etc.), ou especifica também os recursos pessoais ou materiais que lhe dão ou retiram mais hipótese de sucesso ou capacidade de sobrevivência no mundo de jogo quer na sua simulação quer na sua emulação. No seu conjunto são uma lista bastante completa e até inspiradora na criação de personagens. Bom trabalho!

As duas partes seguintes fazem referência ainda a vantagens especiais que adquirem uma designação própria e tem os seus próprios capítulos correspondentes: as Vantagens Únicas e Perícias. Esta separação aparentemente é um pouco confusa.

As Vantagens Únicas são no fundo pacotes de Vantagens e Desvantagens que representam uma espécie ou raça de humanóides que o jogador pode escolher para o seu personagem com mais alguns extras. São únicas pois não se pode ter duas Vantagens únicas diferentes. Estas custam pontos de criação como em qualquer compra de Vantagens nesta fase.

Uma Vantagem Única pode também aumentar o valor das Características do personagem (mas nunca além de 5) ou permitem Testes de Resistências especiais. A maioria das raças ou espécies têm a sua origem é universos de fantasia medieval mas contém também seres retirados das estórias de ficção científica e outras lendas e mitos. De novo reparo na influência do universo de Tormenta nesta versão do 3D&T, pois a maioria das raças aqui apresentadas são as constantes nesse universo que tem ele próprio uma forte influência do Dungeon & Dragons. Apesar de aparecerem Kemonos (animais antropomórficos típicos do folclore japonês) e se considerarem os demónios listados como Oni, gostava de ver ainda mais seres mais tradicionais da ficção japonesa fantástica e do anime/mangá shonen. Contudo a selecção é por si bastante boa, contendo até extraterrestres e tritões e tudo!

A Parte seguinte é a das Perícias, um traço do personagem a que já me referi previamente e é, de novo, um tipo de Vantagem especial. No contexto de um jogo de acção e combate bastante focado em proezas físicas e detalhe táctico são as perícias que permitem aos personagens emular conhecimentos e técnicas próprios de personagem que também se destacam nas esferas mentais ou sociais. Cada perícia representa uma de onze grandes áreas do saber (Arte, Ciência, Crime, etc.) e o personagem pode comprar uma ou mais perícias dentro desta lista. Se o jogador decidir gastar 2 pontos criação o seu personagem passa a ser um dos maiores entendidos dessa área bastante vasta. Se por outro lado o jogador achar que será adequado o seu personagem ser um especialista dentro de um certo âmbito dessa área de conhecimento e técnica, pode comprar uma Especialização por apenas 1 ponto.

Sempre que uma dada acção seja baseada num conhecimento ou técnica pressupostos por parte do personagem, o Mestre-de-Jogo pode pedir um Teste de Perícia. Este teste é em tudo parecido com um Teste de Características mas é baseado apenas em Habilidade e a inexistência da Perícia requerida por parte do personagem agrava severamente as suas hipóteses de sucesso com penalidades altas.

A presença desta mecânica parece-me de certo modo um resultado da evolução do jogo depois da sua criação original (como aliás bastante delas o parecem ser) como tentativa posterior de corresponder às necessidades dos seus jogadores ou às suas expectativas da experiência de jogo de um RPG. A desdobragem da Habilidade entre agilidade física e inteligência é demasiado conveniente e heterogénea na minha opinião.

É um facto de que existem certas técnicas e artes que dão profundidade e detalhe aos protagonistas deste género de ficção mas muito raramente estas contribuem decisivamente para o sucesso marcial dos heróis. E mesmo quando o fazem é de um modo bastante preto no branco, bastante conveniente para resolver o conflito em questão. O protagonista falhar num Teste de Perícia de Sobrevivência nunca acontece na ficção, ou pelo menos de modo extremista e binária (“Ou sim ou sopas!”) capaz de o fazer morrer de fome e danificar completamente o decurso da estória.

E muitas das vezes o conhecimento mais teórico está na mãos de personagens sábios que o protagonista tem de encontrar numa demanda que, consequentemente, o leva a viver mais aventuras. Ou seja ele não precisa de possuir esse conhecimento para vencer mais um combate mas sim para ter mais razões para combater.

Talvez a vantagem Perícia pudesse ser desdobrada num Teste de Característica baseado em Habilidade para técnicas e numa Vantagem mais académica e teórica sem necessidade de teste. Esta última seria bem apropriada aos personagens secundários mais sábios e velhos, tipo os mestres de kung-fu ou o cientista louco meio-eremita.

Bem, parece-me que já me estendi bastante nesta primeira parte da crítica do 3D&T e tenho que recuperar um pouco do fôlego, talvez depois de alguma troca de impressões e de sugestões. Espero brevemente a sua segunda parte! Sayonara!

E já agora, Feliz Ano Novo! :P

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